A Lei de Zeca
Amigos, uma coisa me deixou muito feliz, foi ver algumas de minhas muitas matérias perder a identidade. Drummond dizia que o máximo para um escritor era quando um de seus poemas ou escritor ganhavam fama e anonimato. Isso aconteceu comigo com dois artigos, que eu tenha notícia comprovada, um deles é a A Lei de Zeca, que dá título a um dos meus livros.
Sei que esse artigo anda pela internet em centenas, talvez milhares de páginas. Já vê-lo citado pelo Luís Nassif, pelo Shiniashik e por dezenas de outros articulistas e vários jornais eletrônicos ou virtuais. No entanto, percebo que em cada lugar alguém acrescenta ou suprime um pequeno detalhe, faz crítica ou elogio. Recebi e-mails de muitas pessoas condenando ou elogiando, não interessa, o fato é que o assunto virou e hoje vejo em muitos lugares a "Lei" sendo citada, sem que o orador saiba da sua origem. Quem já leu o conto O Anel de Polícrates, de Machado de Assis, sabe do qeu estou falando e quem não leu, deve ler.
Segue agora para que todos conheçam, a versão original, como está no meu livro:
A lei de Zeca
Diz uma história, que numa cidade apareceu um circo, e que, entre seus artistas, havia um palhaço com o poder de divertir, sem medida, todas as pessoas da platéia e o riso era tão bom, tão profundo e natural, que se tornou terapêutico. Todos os que padeciam de tristezas agudas ou crônicas eram indicados pelo médico do lugar, para que assistissem ao tal artista, que possuía o dom de eliminar angústias.
Um dia, porém, um morador desconhecido procurou o doutor, tomado de uma profunda depressão. O médico então, sem relutar, indicou-lhe o circo, como o lugar de cura de todos os males daquela natureza, de abrandamento de todas as dores da alma, de iluminação de todos os cantos escuros do nosso jeito perdido de ser. O homem nada disse, levantou-se, caminhou em direção à porta e quando já estava saindo, virou-se, olhou o médico nos olhos e sentenciou: “não posso procurar o circo... aí está o meu problema: eu sou o palhaço”.
Como professor, vejo que, às vezes, sou esse palhaço, alguém que trabalha para construir os outros e não vê resultado muito claro daquilo que faz. Tenho a impressão que ensino no vazio (e sei que não estou só nesse sentimento), porque depois de formados meus ex-alunos parecem que se acostumam rapidamente com aquele mundo de iniqüidades que combatíamos juntos. Parece que quando meus meninos caem no mercado de trabalho, a única coisa que importa é quanto cada um vai lucrar, não importando quem vai pagar essa conta e nem se alguém vai ser lesado nesse processo. Aprenderam rindo, mas não querem passar o riso à frente e nem se comovem com o choro alheio.
Digo isso, até em tom de desabafo, porque vejo que cada dia mais meus alunos se gabam de desonestidades. Os que passam os outros para trás são heróis e os que protestam são otários, idiotas ou excluídos, é uma total inversão dos valores. Vejo que alguns professores partilham das mesmas idéias e as defendem em sala de aula e na sala de professores e se vangloriam disso. Essa idéia vem me assustando cada vez mais, desde que repreendi, numa conversa com alunos, o comportamento do cantor Zeca Pagodinho, no episódio da guerra das cervejas e quase todos disseram que o cantor estava certo, tontos foram os que confiaram nele. “O importante professor é que o cara embolsou milhões”, disse-me um; outro: “daqui a pouco ninguém lembra mais, no Brasil é assim, e ele vai continuar sendo o Zeca, só que um pouco mais rico”, todos se entreolharam e riram, só eu, bobo que sou, fiquei sem graça. O pior é quando a gente se dá conta que no Brasil é assim mesmo, sente-se maio sem saída, parece que só o que vale é a lei de Gérson: “o importante é levar vantagem em tudo”. A pergunta é: é possível, pela lógica, que todo mundo ganhe? Para alguém ganhar, é óbvio que alguém tem de perder.
A lógica é guardar o troco a mais recebido no caixa do supermercado; é enrolar a aula fingindo que a matéria está sendo dada; é fingir que a apostila está aberta na matéria dada, mas usá-la como apoio enquanto se joga forca, batalha naval ou jogo da velha; é cortar a fila do cinema ou da entrada do show; é dizer que leu o livro, quando ficou só no resumo ou na conversa com quem leu; é marcar só o gabarito na prova em branco, copiado do vizinho, alegando que fez as contas de cabeça; é comprar na feira uma dúzia de quinze laranjas; é bater num carro parado e sair rápido antes que alguém perceba; é brigar para baixar o preço mínimo das refeições nos restaurantes universitários, para sobrar mais dinheiro para a cerveja da tarde; é arrancar as páginas ou escrever nos livros das bibliotecas públicas; é arrancar placas de trânsito e colocá-las de enfeite no quarto; é trocar o voto por empregos, pares de sapato ou cestas básicas; é fraudar propaganda política mostrando realizações que nunca foram feitas (assim como costuma fazer a dupla sertaneja Lula e Duda). É a lógica da perpetuação da burrice. Quando um país perde, todo mundo perde. E não adianta pensar que logo bateremos no fundo do poço, porque o poço não tem fundo. Parafraseando Schopenhauer: não há nada tão desgraçado na vida da gente, que ainda não possa ficar pior.
Se os desonestos brasileiros voassem, nós nunca veríamos o sol. Felizmente há os descontentes, os lutadores, os sonhadores, os que querem manter o sol aceso, brilhando e no alto. A luz é e sempre foi a metáfora da inteligência. No entanto, de nada adianta o conhecimento sem o caráter. Que nas escolas seja tão importante ensinar Literatura, Matemática ou História, quanto decência, senso de coletividade, coleguismo e respeito por si e pelos outros. Acho que o mundo (e, sobretudo, o Brasil) precisa mais de gente honesta do que de literatos, historiadores ou matemáticos. Ou o Brasil encontra e defende esses valores e abomina Zecas, Gérsons, Dirceus, Dudas e todos os marketeiros que chamam desonestidades flagrantes, de espertezas técnicas, ou o Brasil passa de país do futuro, para país do só furo. De um presidente da república espera-se mais do que choro e condecoração a garis honestos, espera-se honestidade em forma de trabalho e transparência. De professores, espera-se mais que discurso de bons modos, espera-se que mereçam o salário que ganham (pouco ou muito) agindo como quem é honesto. A honestidade não precisa de propaganda, nem de homenagens, precisa de exemplos. Quem plantar joio, jamais colherá trigo.
Quando reflexões assim são feitas, cada um de nós se sente o palhaço perdido no palco das ilusões. A gente se sente vendendo o que não pode viver, não porque não mereça, mas porque não há ambiente para isso. Quando seria de se esperar uma vaia coletiva pelo tombo, pelo golpe dado na decência, na coerência, na credibilidade, no senso de respeito, vemos a população em coro delirante gritando “bis” e, como todos sabemos, um bis não se despreza. Então, uma pirueta, duas piruetas, bravo! bravo! E vamos todos rindo e afinando o coro do “se eu livrar a minha cara o resto que se dane”. Enquanto isso o Brasil de irmã Dulce, de Manuel Bandeira, do Betinho, de Clarice Lispector, de Chiquinha Gonzaga e de muitos outros heróis anônimos que diminuíram a dor desse país com a sua obra, levanta-se, caminha em silêncio até a porta, vira-se e diz: “esse é o problema... eu sou o palhaço”.
Diz uma história, que numa cidade apareceu um circo, e que, entre seus artistas, havia um palhaço com o poder de divertir, sem medida, todas as pessoas da platéia e o riso era tão bom, tão profundo e natural, que se tornou terapêutico. Todos os que padeciam de tristezas agudas ou crônicas eram indicados pelo médico do lugar, para que assistissem ao tal artista, que possuía o dom de eliminar angústias.
Um dia, porém, um morador desconhecido procurou o doutor, tomado de uma profunda depressão. O médico então, sem relutar, indicou-lhe o circo, como o lugar de cura de todos os males daquela natureza, de abrandamento de todas as dores da alma, de iluminação de todos os cantos escuros do nosso jeito perdido de ser. O homem nada disse, levantou-se, caminhou em direção à porta e quando já estava saindo, virou-se, olhou o médico nos olhos e sentenciou: “não posso procurar o circo... aí está o meu problema: eu sou o palhaço”.
Como professor, vejo que, às vezes, sou esse palhaço, alguém que trabalha para construir os outros e não vê resultado muito claro daquilo que faz. Tenho a impressão que ensino no vazio (e sei que não estou só nesse sentimento), porque depois de formados meus ex-alunos parecem que se acostumam rapidamente com aquele mundo de iniqüidades que combatíamos juntos. Parece que quando meus meninos caem no mercado de trabalho, a única coisa que importa é quanto cada um vai lucrar, não importando quem vai pagar essa conta e nem se alguém vai ser lesado nesse processo. Aprenderam rindo, mas não querem passar o riso à frente e nem se comovem com o choro alheio.
Digo isso, até em tom de desabafo, porque vejo que cada dia mais meus alunos se gabam de desonestidades. Os que passam os outros para trás são heróis e os que protestam são otários, idiotas ou excluídos, é uma total inversão dos valores. Vejo que alguns professores partilham das mesmas idéias e as defendem em sala de aula e na sala de professores e se vangloriam disso. Essa idéia vem me assustando cada vez mais, desde que repreendi, numa conversa com alunos, o comportamento do cantor Zeca Pagodinho, no episódio da guerra das cervejas e quase todos disseram que o cantor estava certo, tontos foram os que confiaram nele. “O importante professor é que o cara embolsou milhões”, disse-me um; outro: “daqui a pouco ninguém lembra mais, no Brasil é assim, e ele vai continuar sendo o Zeca, só que um pouco mais rico”, todos se entreolharam e riram, só eu, bobo que sou, fiquei sem graça. O pior é quando a gente se dá conta que no Brasil é assim mesmo, sente-se maio sem saída, parece que só o que vale é a lei de Gérson: “o importante é levar vantagem em tudo”. A pergunta é: é possível, pela lógica, que todo mundo ganhe? Para alguém ganhar, é óbvio que alguém tem de perder.
A lógica é guardar o troco a mais recebido no caixa do supermercado; é enrolar a aula fingindo que a matéria está sendo dada; é fingir que a apostila está aberta na matéria dada, mas usá-la como apoio enquanto se joga forca, batalha naval ou jogo da velha; é cortar a fila do cinema ou da entrada do show; é dizer que leu o livro, quando ficou só no resumo ou na conversa com quem leu; é marcar só o gabarito na prova em branco, copiado do vizinho, alegando que fez as contas de cabeça; é comprar na feira uma dúzia de quinze laranjas; é bater num carro parado e sair rápido antes que alguém perceba; é brigar para baixar o preço mínimo das refeições nos restaurantes universitários, para sobrar mais dinheiro para a cerveja da tarde; é arrancar as páginas ou escrever nos livros das bibliotecas públicas; é arrancar placas de trânsito e colocá-las de enfeite no quarto; é trocar o voto por empregos, pares de sapato ou cestas básicas; é fraudar propaganda política mostrando realizações que nunca foram feitas (assim como costuma fazer a dupla sertaneja Lula e Duda). É a lógica da perpetuação da burrice. Quando um país perde, todo mundo perde. E não adianta pensar que logo bateremos no fundo do poço, porque o poço não tem fundo. Parafraseando Schopenhauer: não há nada tão desgraçado na vida da gente, que ainda não possa ficar pior.
Se os desonestos brasileiros voassem, nós nunca veríamos o sol. Felizmente há os descontentes, os lutadores, os sonhadores, os que querem manter o sol aceso, brilhando e no alto. A luz é e sempre foi a metáfora da inteligência. No entanto, de nada adianta o conhecimento sem o caráter. Que nas escolas seja tão importante ensinar Literatura, Matemática ou História, quanto decência, senso de coletividade, coleguismo e respeito por si e pelos outros. Acho que o mundo (e, sobretudo, o Brasil) precisa mais de gente honesta do que de literatos, historiadores ou matemáticos. Ou o Brasil encontra e defende esses valores e abomina Zecas, Gérsons, Dirceus, Dudas e todos os marketeiros que chamam desonestidades flagrantes, de espertezas técnicas, ou o Brasil passa de país do futuro, para país do só furo. De um presidente da república espera-se mais do que choro e condecoração a garis honestos, espera-se honestidade em forma de trabalho e transparência. De professores, espera-se mais que discurso de bons modos, espera-se que mereçam o salário que ganham (pouco ou muito) agindo como quem é honesto. A honestidade não precisa de propaganda, nem de homenagens, precisa de exemplos. Quem plantar joio, jamais colherá trigo.
Quando reflexões assim são feitas, cada um de nós se sente o palhaço perdido no palco das ilusões. A gente se sente vendendo o que não pode viver, não porque não mereça, mas porque não há ambiente para isso. Quando seria de se esperar uma vaia coletiva pelo tombo, pelo golpe dado na decência, na coerência, na credibilidade, no senso de respeito, vemos a população em coro delirante gritando “bis” e, como todos sabemos, um bis não se despreza. Então, uma pirueta, duas piruetas, bravo! bravo! E vamos todos rindo e afinando o coro do “se eu livrar a minha cara o resto que se dane”. Enquanto isso o Brasil de irmã Dulce, de Manuel Bandeira, do Betinho, de Clarice Lispector, de Chiquinha Gonzaga e de muitos outros heróis anônimos que diminuíram a dor desse país com a sua obra, levanta-se, caminha em silêncio até a porta, vira-se e diz: “esse é o problema... eu sou o palhaço”.
4 Comments:
Olá, acredito eu que faço parte desta "minoria", que acredita que podemos de uma forma ou de outra construir um mundo melhor através do caráter.
Se isso te deixa triste, tenha a certeza que eu fico além de triste, também. Luto, reluto para ensinar de maneira clara, justa e honesta, mas às vezes é muito difícil lutar contra a identidade materna, coisas que vêm lá atrás com a família, com a personalidade de meus alunos. Mesmo assim, acredito que ainda exista pessoas melhores, pessoas boas e de boa fé.
Li este seu texto, fiquei impressionada com a sensibilidade e confesso... me sinto "meio palhaça", me identifico com seus escritos, tanto o texto, quanto os comentários...
Mas assim, venho aqui comentar, pois como já disse eu admiro seu trabalho, nãoem sala, mas nos escritos mesmo, uma referência de professor para mim, desde o cursinho no Nobel.
Obrigada por mais esta pérola!!!
Tenha um bom dia!
Michelle Garbelini
pior professor é quando se reconhece toda essa situação e se sente, além de palhaço, facassado por acreditar que se é apenas mais um na multidão dessa vida picadeiro por não ter forças e nem coragem par fazer a real diferença!!
as vezes parece que que não existe mais sensibilidade no carater humano, ninguém mais consegue enxergar um palmo do seu presente!
usam o passado como desculpa e o presente como um momento eterno, esquecendo que é o hoje que reagira no seu amanhã.
e não adianta falar, o negocio é fazer, e quando feito, as pessoas não o verão como um exemplo a ser seguido, mas como um exepcional sortudo da vidaa...
não desisto dessa luta renhida...
alias, eu ainda faço parte desse espetaculo incerto de um fim esplendido!
=~~
juh medina
Juliany Medina
O mais gostoso riso e a mais profunda angústia são sentidos por aqueles que idealizam a felicidade humana. A questão é o que é o humano? Será que estamos condenados ao fracasso ou a uma prosperidade futura? Será que a racionalidade nos levará ao "progresso"? Se considerarmos o passado a resposta já está dada e é pessimista. Mas, o ideal do "bom selvagem" não foge às mentes dos verdadeiros sonhadores. Jamais. Enquanto isso o que resta é uma felicidade fugaz e solitária. E uma angústia eterna e solitária. Parabéns Nailor, um professor que não será esquecido. Pelo menos por alguns poucos alunos... o fogo não se apagará apesar de quase morto...ABRAÇO!
Professor! Sou muita grata por ter tido a oportunidade de assistir sua palestra hoje em Jaraguá do Sul. Hoje me sinto mais feliz que ontem, porque cada vez que ouço professores fazendo essa leitura da vida os meus própósitos se fortalecem cada vez mais. O grande detalhe é que enquanto atuarmos com soberba, indiferença, egoísmo, intolerância (e tantas outras deficiências psicológicas), não percebendo que estas atitudes prejudicam a relação comigo mesma e com o outro, continuaremos mantendo e formando seres cada vez mais desumanos. Se fala muito em sociedade humanitária...que humanidade é essa em que assistimos diariamente homem matando homem. Será que realmente somos mais inteligentes que os animais? O que está faltando? Penso que cada um deve buscar o aperfeiçoamento interno, a superação das suas condições de forma consciente. Temos a prerrogativa de sermos cada dia melhor, de evoluirmos enquanto seres humanos, o que precisamos é de conhecimentos superiores que nos possibitem ver além do nosso "umbigo", e olhar o outro como pessoa que sente e pensa...
Parabéns Professor! Tenho certeza que a semente plantada em Jaraguá do Sul produzirá muitos frutos.
Um grande abraço afetuoso.
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