sexta-feira, agosto 31, 2007

Cazuza X Cazuza

Volta e meia eu recebo um e-mail, que já é antigo, sobre a lições que devemos tirar do filme Cazuza. Nele uma psicóloga, Maria José, faz comentários negativos sobre o homem e o mito. Sempre que eu recebo, eu rebato com um artigo meu chamado Cazuza e a lição errada no qual defendo o artista em sua plenitude. Nesta semana eu fiz a mesma coisa e a própria autora do artigo entrou em contato comigo, foi gentil e cedeu a alguns de meus argumentos. Gostaria então de colocar meus leitores em contato com os dois textos e que cada um tirasse as próprias conclusões. Primeiro o dela, depois o meu.
Texto 1
Fui ver o filme Cazuza há alguns dias e me deparei com uma coisa estarrecedora. As pessoas estão cultivando ídolos errados.Como podemos cultivar um ídolo como Cazuza?
Concordo que suas letras são muito tocantes, mas reverenciar um marginal como ele, é, no mínimo, inadmissível. Marginal, sim, pois Cazuza foi uma pessoa que viveu à margem da sociedade, pelo menos uma sociedade que tentamos construir (ao menos eu) com conceitos de certo e errado.
No filme, vi um rapaz mimado, filhinho de papai que nunca precisou trabalhar para conseguir nada, já tinha tudo nas mãos. A mãe vivia para satisfazer as suas vontades e loucuras. O pai preferiu se afastar das suas responsabilidades e deixou a vida correr solta.
São esses pais que devemos ter como exemplo? Cazuza só começou a gravar, pois o pai era diretor de uma grande gravadora. Existem vários talentos que não são revelados por falta de oportunidade ou por não terem algum conhecido importante.
Cazuza era um traficante, como sua mãe revela no livro, admitiu que ele trouxe drogas da Inglaterra, um verdadeiro criminoso.
Concordo com o juiz Siro Darlan quando ele diz que a única diferença entre Cazuza e Fernandinho Beira-Mar é que um nasceu na zona sul e outro não. Fiquei horrorizada com o culto que fizeram a esse rapaz, principalmente por minha filha adolescente ter visto o filme. Precisei conversar muito para que ela não começasse a pensar que usar drogas, participar de bacanais, beber até cair e outras coisas fossem certas, já que foi isso que o filme mostrou.
Por que não são feitos filmes de pessoas realmente importantes que tenham algo de bom para essa juventude já tão transviada? Será que ser correto não dá Ibope, não rende bilheteria?
Como ensina o comercial da Fiat, precisamos rever nossos conceitos, só assim teremos um mundo melhor.Devo lembrar aos pais que a morte de Cazuza foi consequência da educação errônea a que foi submetido.Será que Cazuza teria morrido do mesmo jeito se tivesse tido pais que dissesem NÃO quando necessário? Lembrem-se, dizer NÃO é a prova mais difícil de amor.Não deixem seus filhos à revelia para que não precisem se arrepender mais tarde. A principal função dos pais é educar. Não se preocupem em ser amigo de seus filhos. Eduque-os e mais tarde eles verão que você foi a pessoa que mais os amou e foi, é, e sempre será, o seu melhor amigo, pois amigo não diz SIM sempre
Texto 2
Cazuza e a lição errada
Nailor Marques Jr.


O filme sobre a vida de Cazuza, em cartaz em quase todos os cinemas do Brasil, fez um recorte interessante da vida de um bom músico e maravilhoso poeta beat, infelizmente quase desconhecido dos adolescentes de hoje. Tive esperanças que, com a narrativa, nossos meninos pudessem entrar em contato com o melhor lado de um espírito sensível, morando numa cabeça agressiva, com um jovem que bebeu muito uísque, mas que também vomitou muita poesia. Parece-me que, no entanto, mais uma vez, a nossa juventude tirou do que viu a lição errada, sem se dar conta que acendia com isso “a luz negra de um destino cruel.”
Conversando com meus alunos, incentivando-os para que vissem o filme, ouvindo dos que já tinham visto suas impressões, de novo fiquei estarrecido (não canso de me decepcionar com o que ouço e vejo deles), no lugar de aprenderem que os heróis do cantor “morreram de overdose” e de que é preciso uma ideologia para viver, eles só tiveram olhos para vida desregrada, para o excesso de sexo, bebida e todo tipo de drogas. Esqueceram-se de observar que, magnificamente, Cazuza aparece lendo o tempo todo e que ele não se transformou no grande poeta polêmico que foi, porque era drogado e sem regras, mas porque lia e estudava muito e, com a enorme bagagem que acumulou, formou um espírito inquieto. Se somarmos a isso, o engenho e arte que lhes eram natos, teremos então um grande artista, exatamente o que ele foi.
É precisar destacar que ficou muito claro no filme que ele deixou o grupo Barão Vermelho, não porque desgostasse dos amigos ou tivesse rompido com alguém (tanto que permaneceu parceiro de Frejat até morrer), mas porque queria uma arte livre como a sua cabeça. Não queria cantar apenas rock’n’roll, mas poder cantar todas as boas músicas que cruzassem o seu caminho. Reparem que a partir do início da carreira solo surgiram as peculiares e doces gravações de mestres da MPB do passado. Foi daí que ele percebeu “que o mundo é um moinho” e que se não atentarmos para isso seremos engolidos pelo “abismo que cavamos com os nossos próprios pés”. Cazuza foi engolido por si mesmo, pagou um preço alto pela vida que teve, mas morreu dando exemplo de que devemos assumir, como gente grande, o que fazemos, de que sabia que estava pagando o preço da vida que havia comprado. Nossos jovens são valentes e independentes até a primeira encrenca que se metem, quando voltam quietos e medrosos para casa, em busca da proteção dos pais que até minutos antes eram velhos e caretas.
A verdadeira lição, a que eu esperava que os jovens (meus alunos, sobretudo) tirassem, era a de que Cazuza era um eterno estudante da vida que queria levar. Ele não queria ser melhor, nem pior do que ninguém, apenas ter o direito de ser ele mesmo (e não a reprodução de estereótipos baratos, os sub-produtos de rock, que a televisão vende às pessoas todos os dias e que elas copiam pensando estar sendo originais). Ele sabia apenas que era “um cara” que, às vezes, cansava de “correr na direção contrária, sem podium de chegada ou beijo de namorada”, mas que quem achasse que por isso ele estaria derrotado, deveria se lembrar que os dados (de Mallarmé) ainda estavam rodando, já que “o tempo não pára”. Sua cabeça era habitada pelas idéias de grandes escritores, ela foi forjada a muita martelada e fogo. Quando não estava negociando escravas brancas com o poeta maldito francês Rimbaud, estava pagando michê, on the road, com o beat americano Allen Ginsberg.

Na conversa com meus alunos, eles me perguntaram se não seria melhor viver mesmo de forma exagerada, ou seria “tudo ou nunca mais”. Eu disse que não sabia, mas que ficar vivo, viver de forma interessante, já era uma aventura bastante grande, um exercício para poucos. Que no lugar de buscarem para si a decisão terrível de viver dez anos a mil ou mil anos a dez, talvez devessem aprender com Aristóteles que “a virtude está no meio”, e, no lugar de escolher o Céu ou o Inferno, poderiam escolher a Terra. Nem dez a mil, nem mil a dez, que tal cem anos a cem? Quem sabe ainda a 110, para não sermos multados? A vida não está nos pólos, que anda pelas beiradas anda perigosamente mal: por excesso ou por falta.
Cazuza, parece-me, que quis ensinar (sem ser didático, essa não nunca foi a sua praia) que todos temos o dever de buscar “todo o amor que houver nessa vida”, um “veneno antimonotonia”, uma espécie de antídoto às mesmices do nosso cotidiano, o trabalho de, diariamente, “transformar o tédio em melodia”. Cada um de nós tem seus próprios problemas, mas os homens precisam ser maiores do que os acontecimentos que os cercam e que os afligem. Nossa juventude está cada dia mais covarde, mais voltada para o próprio umbigo, clamam por liberdade só para não fazer o que devem. Ser livre para ela quer dizer livrar-se das tarefas doloridas e incômodas da vida, no entanto não há aprendizado sem sofrimento, essa foi a grande lição da vida e do filme. Ninguém pode querer sorrir o tempo todo, nem “cuidar de bichinhos de estimação e plantas” antes da hora. A morte dele deveria ter nos ensinado que ninguém pode causar mal nenhum, a não ser a si mesmo. O maior mal que podemos causar a nós mesmos é trespassar a nossa própria garganta com a flecha preta da estupidez e do comodismo, mas parece que, como sempre, preferimos continuar “correndo atrás de um carro com um cachorro otário”, buscando o jeito mais fácil de levar a vida, aprendendo perpetuamente as lições erradas.

8 Comments:

At 7:35 PM, Anonymous Anônimo said...

Sou uma grande fã do Professor, mas no primeiro momento em que assisti ao filme levou-me a pensar como no texto 1. Depois de um tempo analisando , tendo um pensamento de educadora cheguei a conclusão de que o filme pode nos ensinar "que colhemos o que plantamos", e que os jovens que são previlegiados com uma vida como a de CAZUZA deveria dar valor a ela e procurar escolher o caminho certo para uma vida feliz e longa.

 
At 2:53 PM, Blogger Unknown said...

Da forma que a manipulaçao em massa esta ativada com toda certeza a ideia do primeiro texto é aceita no primeiro plano!
Pois o que querem do povo é q sejam quietos e obedeçam, que aceitem a ignorânciae a corrupçao!
Particularmente o segundo texto é a liçao que Cazuza talvez indiretamente quis passar!

 
At 2:14 PM, Anonymous Anônimo said...

O FILME DO CAZUZA SEM DUVIDA VAI ALEM DO Q A VISÃO QUE APRESENTA O TEXTO 1, NÃO FOI PURA E SIMPLISMENTE UMA PRODUÇAO CAPITALISTA.AS PESSOAS QUE ASSISTIRAM AO FILME TIVERAM VISOES BEM DIVERSAS MAS DE UM MODO GERAL CONCORDARAM AO AFIRMAR QUE CAZUZA FOI UM GRANDE ARTISTA E SUAS MUSICAS TEM UMA LIÇAO DE VIDA,NAO VEMOS APENAS DROGAS OU SEXO, MAS SIM UMA ATITUDE DE LUTA PERANTE A CONFORMIDADE A QUE TANTOS SE SUBMETEM!

 
At 12:05 PM, Anonymous Anônimo said...

ola professor, bom primeiro quero dizer que como sempre vc escreveu maravilhosamente bem e concordo plenamente com a sua visao digamos, mais aguçada e bem menos superficial do filme, fiquei de boca aberta qdo li o primeiro texto e o pior foi depois constatar que essa infelizmente é a opiniao mediocre de muitas outras pessoas, chamar zazuza de marginal, idolo erroneo e outros adjetivos tao tocantes é no minimo desconhecer a historia desse jovem, nao estou aqui para defende-lo nem muito menos dizer que ele agia corretamente em tudo quilo que fazia,mais dizer que cazuza nao passou de um filhinho de papai e compara-lo com fernandinho beira-mar, francamente...Em uma de suas aulas preofessor vc disse uma frase que eu acho brilhante e que, de alguma forma associei ao seu texto...O que a vida nao me der e eu acreditar que for meu, vo la e tomo!!! acho que era nisso que Cazuza acreditava...

 
At 6:28 AM, Blogger Unknown said...

Em defesa de Agenor

Li recentemente artigo de Karla Christine, psicóloga, em que essa confessa seu desconhecimento pela vida e obra de Cazuza, um desconhecido para ela. Relata que, com sua filha adolescente, foi ao cinema e tendo em vista conteúdo do filme, teve que “conversar muito para que ela [sua filha] não começasse a pensar que usar drogas, participar de bacanais, beber até cair e outras coisas fossem certas, já que foi isso que o filme mostrou”.
Sua crítica a Cazuza, a quem chama de marginal, filhinho de papai, etc, tem pontos positivos, o engajamento contra as drogas e o alerta para que pais cuidem melhor dos seus filhos. Porém, tem também alguns pontos negativos. Quando fala dos pais de Cazuza, os desqualifica como adultos responsáveis e indignos mesmo de serem pais.
Embora, como ela, não queira para meus filhos a vida de Cazuza, menos ainda a morte que ele teve, mesmo a AIDS nestes tempos tendo um significado e diagnóstico diferentes em relação aos anos 80, entendo que nosso problema não é o de cultivar ídolos errados, mas sim o de cultuar pessoas. Pessoas não existem ou existiram para ser cultuadas e sim lembradas, pelas suas próprias trajetórias. Agenor de Miranda Araújo Neto, o Cazuza, foi expoente da poesia de seu tempo, um porta-voz da angústia e da rebeldia de uma geração. Sua contribuição para a cultura brasileira, e postumamente (via a Sociedade Viva Cazuza), para a luta contra a AIDS, é inquestionável. Suas mensagens foram e são sim muito tocantes, e mais que isso: nos ajudam a pensar.
Cazuza, precisa ser compreendido no seu tempo e no seu contexto. E não faremos isso a partir dos ensinamentos da montadora de automóveis FIAT, como indicou a psicóloga, pois para mim, ter um carro não é sinônimo de ser brasileiro. Aliás, o ‘ter’ precisa urgentemente dar lugar ao ‘ser’, a relações sociais e pessoais menos hipócritas, superficiais e violentas.
Quanto ao filme, ‘O tempo não pára’, recomendo. É uma obra muito interessante. Permite-nos acessar um universo para muitos desconhecido e pensar como podemos criar melhor nossos filhos, que podem, como nós, apreciar obras de arte sem seguir os passos de seus autores. Que, como nós, nossos filhos podem se identificar com o lado criativo e positivo de outras pessoas e não apenas com o consumo de drogas, ou de carros, tênis de marca e todas as bugigangas eletrônicas que são os ídolos inumanos (e sem máculas) de nossa triste contemporaneidade.

Acadêmico de Ciências Sociais/UFRGS
Ex-Conselheiro Tutelar de Porto Alegre (1995/2001)

 
At 4:08 PM, Anonymous Anônimo said...

Eu assisti � cinebiografia de Cazuza faz algum tempo. Analisando de maneira cinematogr�fica, eu sou completamente favor�vel ao resultado final. Acho que, quando algu�m (roteirista) resolver adaptar a vida de algu�m para o Cinema, n�o deve apaziguar epis�dios reais, muito menos omitir a realidade, temendo a rea�o do espectadores.

Tenho 17 anos, sou inclusive um dos alunos do professor Nailor, e nasci exatamente no ano em que Cazuza veio a �bito, portanto n�o posso comprovar se o filme ocultou algo, mas por ter causado tanto desconforto nas pessoas, provavelmente n�o aconteceu. Diferente do que aconteceu no filme do Cazuza, recentemente roteiristas cretinos resolveram fazer cinebiografia de 2 cantores imortalizados na hist�ria da m�sica: Ray Charles e Johnny Cash. Assim como no caso da Cazuza, n�o vivenciei a vida desses 2 cantores, apenas a morte, que ocorreu h� apenas 2 ou 3 anos, mas nada que um Google n�o possa informar sobre a vida de ambos. Em "Ray" e "Johnny e June", o roteirista inverte completamente o car�ter desses dois cantores, fazendo do cantor de jazz um homem imaturo e do outro, um rom�ntico desesperado pela tamb�m cantora, June Carter. O que pecou nos dois filmes foi a falta de aprofundamento na vida pessoal dos homenageados. Com o intuito de o p�blico se simpatizar com eles, criaram novas personalidades e omitiram descaradamente a depend�ncia de drogas e �lcool que Cash enfrentou, o mesmo com Foxx e implicitou o fato de bater na sua mulher sempre que a via.

Em "Cazuza", isso n�o foi feito. E agrade�o ao produtores do filme por isso. Pois, a libertinagem tamb�m fez parte da vida do excelente letrista e deveria ser documentado caso fizesse um filme sobre sua vida. Se algu�m sentiu-se ofendido com as cenas...paci�ncia! Nada mais � que a verdade. Talvez um pouco idealizada, mas a verdade.

 
At 5:02 PM, Blogger Unknown said...

A meu ver, esta psicóloga está por fora da época e de conhecer a sociedade em que vive. Primeiramente, acredito que devemos nos abster da visão puritana, a falsa visão puritana para tecer algum comentário sobre Cazuza. Cazuza é um poeta, como ele mesmo compôs: "sou poeta e não aprendi a amar". Cazuza foi um poeta que morreu buscando encontrar o sentido do que é o amor. Lindamente expressa em muitas de suas composições a angustia e a ansia que tinha em conseguir ter para si um amor como no de seus versos.Indiferente para nós, traçarmos críticas acerca da vida desgregada que Cazuza levou, temos que tirar proveito da sua lição de vida, da coragem em expor a todos as consequencias que teria que suportar pelas suas escolhas. Quantos de nós não nos mostramos ser bons filhos e bons cidadãos enquanto levamos uma vida tão desregrada quanto a de Cazuza. Quantos filhos enganam seus pais quanto ao uso de drogas, abuso de bebidas alcoolicas, quanto a sua opção sexual, quantos levam uma vida sexuais tão ou mais promiscua que a de Cazuza. O que nos difere de Cazuza? Ele ao menos mostrava "a sua cara" e longe de fazer apologia ao uso de drogas, mas usava suas piras e fazia algo que prestava, enquanto muitos de nós, usam drogas e matam pessoas no trânsito. Quantos casos temos acompanhado de jovens de classe média, e não precisamos ir tão longe, temos casos muito próximos de nós, de jovens que estão se agrupando e saindo as ruas, vivendo no submundo do crime, espancando e matando negros, prostitutas e homossexuais. E, depois desta noite de "farra" retornam ao seu tão protegido lar e pede bençao aos seu pais para dormir o sono dos justos. Acredito que devemos abrir os nossos olhos para a sociedade doentia qual estamos vivendo. Cazuza só buscou ser e mostrar quem ele era, não usou máscaras ou fingiu ser o que não era, não usou de lemas ou ideologias falsas.

 
At 1:49 PM, Anonymous Anônimo said...

Desde a primeira aula com o professor, procuro este blog!
Finalmente encontrei!
sou fã dele!

 

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