segunda-feira, setembro 17, 2007

Concurso

A Revista Piauí, da Abril, tem um concurso mensal. Eles dão um pequeno trecho de texto sem pé, nem cabeça e esperam dos candidatos que eles façam um texto de até 2500 toques dando algum sentido (ou muito) ao referido excerto. Neste mês estou concorrendo com o texto O Enterro da televisão, mas no mês passado escrevi outro e perdi o prazo de envio, então quero postá-lo aqui para meus casuais leitores.
P.S: Eu devo o conhecimento deste concurso ao meu ex-aluno Matheus Silva, aquem sou muito agradecido. Quem quiser participar também da brincadeira é só acessar www.revistapiaui.com.br. A frase que está em negrito no texto a seguir é a frase chave do concurso a partir da qual o texto foi feito.
Graciliano na prisão

As visitas podem lhe levar quatro frutas, quatro litros de suco, um quilo de biscoitos, cigarros, produtos de higiene e um livro, desde que em português. Não é isso, no entanto, o que Graciliano quer. Quer a sua liberdade, algo de indizível preço. Não é possível medir a frescura do vento nas areias de Pajuçara ou a observação das piscinas calmas e águas translúcidas de Maragogi. Graciliano quer mesmo é voltar para sua Alagoas. Talvez traga toda a família para o Rio, mas o Rio dos braços abertos do Redentor, não o Rio de Gregório Fortunato, o cão de guarda de Getúlio.
Se recebesse as quatro frutas já sabia a quem daria, Sinhá Vitória, Fabiano e os meninos. Talvez ela não tivesse sacrificado o papagaio, tão caro a ela. Os dois dandinavam livres pelo sertão alagoano. Livres? Pelo sertão a liberdade se espalha como fogo em palha seca. A liberdade é alma da gente lavada e passada a ferro de brasa com casca de laranja. Nos tempos do sítio seu Tomás da Bolandeira era assim. Papagaio não se come. Papagaio se aloja no peito como amigo. Sinhá Vitória se tivesse as frutas, teria também o papagaio.
Se lhe entregassem os quatro litros de suco deixaria na escola de dona Madalena. Crianças pobres querem alimento de cabeça, mas precisam também forrar o bucho. Já viram saco vazio parado em pé? Seu Graciliano tem essa sabedoria no entender as necessidades das pessoas. Seu Graciliano tem essa graça do viver até no nome, é graça todo ano, Graciliano. Conhecimento é poder?
O que um homem privado de liberdade faria com um quilo de biscoitos? Não eram sequer biscoitos da sorte da China. E se fossem chineses e dentro dos biscoitos viesse escrito: “você está sem sorte”? A maior tragédia da vida é trabalhar para uma coisa acontecer e quando ela chegar não entendermos porque veio. Paulo Honório gastou uma existência para ser dono do império de São Bernardo, gastou uma vida de suor, esperança e brutalidade e pra quê? Como prêmio recebeu solidão, desafetos, desamor e decadência. Era um homem livre, mas prisioneiro de si mesmo. Prisão da qual não se foge. Não se foge?
Se lhe dessem cigarros? Cigarros sim, fumaria todos e comeria ainda as bitucas. Seu Graciliano tinha esse vício desde sempre. Não porque gostasse do cheiro do fumo, nem porque dependesse quimicamente do alcatrão, da nicotina e de outros componentes nocivos do tabaco. Gostava mesmo era de ver a fumaça expelida em espiral, círculos concêntricos de fumaça que podiam levar a mais simples dos homens à companhia das estrelas. Nenhum homem pode se sentir preso quando pode voar pela leveza da fumaça de um cigarro. Isso ele aprendeu. Aprendeu? Produtos de higiene? Um homem limpo e preso. Produtos de higiene, vejam só.
A maior tortura da prisão, no entanto, era a oferta dos livros. Livro, no singular. Um por mês, um por vez. Quando um homem não pode sequer escolher o que ler, é porque a prisão atingiu o mais alto grau despótico. Getúlio então pretendia quebrar as vértebras de todos. A de seu Graciliano começava a se romper. A graça natural de seu nome começava a desaparecer. Um homem pode passar sem frutas, sem suco, sem biscoitos, até sem cigarros, o que não pode é passar sem livros. Seu Getúlio, com a sua guarda palaciana feroz e analfabeta, pensava estar ofendendo os poucos presos que queriam ler, dando apenas um livro em português. Na sua cabeça estava aí a ofensa, era pior o livro em português, do que o fato de ser apenas um. Seu Graciliano sabia que ainda que fosse um, estaria bem acompanhado de Machados, Aluísios, Limas, dos Andrades e tutti quanti. Isso seu Getúlio não sabia e seria um segredo só seu.

2 Comments:

At 9:06 PM, Anonymous Anônimo said...

No post "Perguntas que me inquietam" uma pergunta me inquietou! Na verdade a pergunta inquietou uma curiosidade minha. Estudei por pouco tempo com o senhor, na verdade um super-mega-hiper intensivo no Nobel, ressaca da greve de 6 meses das estaduais, e nesse meio tempo nunca ouvi o senhor falar sobre religião e suas crenças. Sei que religião, futebol e política não se discutem (ou caso insistam, geralmente acaba em briga!), mas fiquei curioso em saber se segue alguma religião ou algo do gênero. É ateu, agnóstico, ou algo assim? Se puder responder!

Parabéns pelos textos, já li todos e sempre leio os novos!

 
At 12:18 AM, Anonymous Anônimo said...

Recebi por e-mail o seu texto referente ao Cazuza, entrei no seu blog e gostei de lê-lo...desde então sempre dou uma olhadinha! Adorei esse texto para o concurso!!!!

 

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