sábado, fevereiro 24, 2007

Histórias da vida real IV

§ 7


Certa vez viajei com meus pais para a fazenda de um grande amigo e cliente dele,
à época eu não tinha mais do que 14 anos. O homem era um fazendeiro muito rico e, portanto, um homem que além de amigo era importante para meu pai, que era gerente de um banco, em função do volume de dinheiro que ele girava todos os meses.
Ele era homem simples, em todos os sentidos, que logo ganhava a atenção e o carinho de todos justamente por isso. Sua mulher, no entanto, era uma emergente, uma nova rica totalmente aparvalhada, era uma antiga empregada dele, muito bonita, mas ignorante na mesma proporção da beleza.
Estar com ela, então, era um festival de chutes na trave, um besteirol de primeira linha. Quando chegamos, já era início de noite de uma sexta-feira, iríamos passar todo o final de semana. Ela nos recebeu sorrindo e vestindo um chapéu imitando couro de onça, com uma calça e par de botas idênticas ao chapéu, um modelo vivo de Arcimboldo, anunciou que estava feliz com a nossa visita, porque pouca gente ia até lá e ela se sentia com uma solitária muito grande.
– De que adianta ter tanto dinheiro se a gente não tem para quem se mostrar-se, disse-nos ela em tom meio tristonho. Espia só, eu ganhei essa pulseira de ouro murciço do meu marido e uso só pra tocá gado. Pulseira de ouro, mas fico socada ma merda de vaca e atolada na mandioca. Mas deixa de reclamação, vamos acomodar todo mundo que a casa é grande e exclusive quero dizer que eu mesma tô preparando um jantar bem requentado pras minhas visitas.
Isso foi só a chegada.

quarta-feira, fevereiro 14, 2007

Histórias da vida real III

§ 5

Uma amiga de minha irmã foi ao hospital visitar uma vizinha
que estava com câncer em estado bastante adiantado. Ao voltar para casa foi indagada pelo marido sobre a situação da visitada. Disse, na frente do marido e da filha de quatro anos, que achava que ela não passaria daquela semana. No entanto, a semana se passou e a mulher não morreu, o que incitou outra visita no domingo seguinte. Desta vez, toda família foi ao hospital, entraram no quarto e quando a menina viu a doente, indagou de pronto:
– Ué, a senhora não morreu? A minha mãe disse que a senhora não viveria nem a semana passada.
O quarto se encheu de risadas amarelas.

§ 6

Minha mulher é dentista e atende pessoas das mais variadas classes sociais e culturais.
O que todo espera sempre é que pessoas de melhor posição financeira tenham um cuidado melhor com o que falam. Em meio à visita de um cliente muito rico, jovem e muito conhecido numa cidade vizinha, ela foi surpreendida pelo estado deplorável em que se encontrava a boca do rapaz. Depois de uma análise apurada, disse:
– Olha, eu preciso ser franca, alguns de seus dentes foram arrancados sem necessidade. Há realmente muita coisa que precisa ser feita aqui, será um tratamento um pouco longo, mas deixaremos o seu sorriso maravilhoso e vamos reconstituir essas falhas.
O rapaz, meio agitado, foi logo se explicando:
– O que acontece, doutora, é que eu morro de medo de dentista, pra mim dente é assim, doeu, doeu muito eu mando logo distraí.

quinta-feira, fevereiro 08, 2007

Histórias da vida real II

§ 3

Em 1992 eu fui (INFELIZMENTE) candidato a vereador na minha cidade.
Como não sou político e não acredito na forma como a política é praticada, resolvi que não gastaria nada, ou quase, mas, principalmente, que não faria o jogo dos candidatos habituais. Morava numa casa térrea, num bairro, e resolvi colocar uma faixa grande como meu nome e número. Aquilo atraiu muita gente.
Um dia eu estava saindo e um sujeito bateu no portão. Eu atendi:
– O senhor deseja alguma coisa?
– Eu queria falar com o candidato, seu na... na... nalhor.
Ele não conseguiu entender direito o que estava escrito, se é que sabia ler. Falar Nailor, eu imagino que seja algo muito complexo mesmo.
– Ele não está, eu disse.
– Sabe o que é, é que eu tô trabalhando para ele e ele me pediu pra passar aqui hoje pra pegar 50 dinheiros (não me lembro qual era o dinheiro da época).
– Ah, ele falou? Perguntei sarcasticamente.
– Falou pra eu passar hoje de manhã.
– O senhor é amigo dele?
– Eu tô sempre com ele, o senhor não pode me adiantar e depois pegar com ele? Disse o homem crendo que levaria o dinheiro.
– Pois eu não tenho e se tivesse não daria, nem votar nele eu vou.
O homem arregalou uns olhos e retrucou:
– Pois eu vou contar tudo pra ele, hoje à tarde a gente vai se encontrar no comitê eu vou dizer o que o senhor falou.
Naquele momento eu pensei: “até onde a cara de pau de alguém pode chegar?”

§ 4

Uma amiga que mora também na minha cidade,
contou-me que recebeu, por duas semanas, a visita de uma amiga dela, de sua cidade natal – uma cidade muito pequena do oeste paranaense. A amiga ficou encantada com as novidades do lugar maior. Depois de uma semana, desabafou coma anfitriã:
– Como esta cidade é bacana, nada a ver com a nossa! Exclamou triunfante. O pessoal de nossa cidade é muito caipira, aposto que eles nem sabem o que é hopi hari.
Minha amiga, espantada e sem muito entender a observação, disse:
– Eu também não conheço o Hopi Hari. Claro que ela pensava no parque temático do interior paulista que é conhecido no Brasil todo.
A amiga, indignada, perguntou:
– Como não conhece? Nós não fomos a semana inteira fazer um hopi hari no barzinho aqui da esquina?
Creio que na segunda e última semana da visita, ninguém fez mais happy hour.

segunda-feira, fevereiro 05, 2007

Histórias da vida real

§ 1

Eu tenho um amigo, que há tempos não vejo, mas que ainda o considero como tal. Andávamos numa grande turma na adolescência e ele era marcado por dar foras, tanto que seu apelido era indião, uma pessoa de bom coração, porém tosca no lidar com os outros. Naqueles tempos de adolescência, uma das grandes alegrias que tínhamos era rir das mulheres esquisitas com as quais nossos amigos ou conhecidos se envolviam em bares, festas ou boates. Um dia estávamos numa praça, em frente ao prédio em que maioria de nós morava, e entre nós estava o indião. Um outro conhecido, que havíamos encontrado num bar no sábado antecedente, se aproxima e o indião vai logo gritando:
– Nossa, quem era aquele boizão (= a mulher horrível) que estava com você no Car Wash no sábado?
– Qual? Retruca o sujeito querendo não entender o que ele perguntava.
– Aquela vacona com quem você estava de mãos dadas no bar.
– Sábado?
– É, sábado, você não estava com um boizão desfilando no sábado, quem era?
– Era minha irmã, seu otário.
Um silêncio constrangedor se abateu e nosso indião no lugar de calar a boca, emendou:
– De raça, hein! Boizão de primeira.

§ 2

Meu amigo Tanaka sozinho daria um livro com as suas histórias de adolescência.
Numa delas nós furamos uma festa de casamento num determinado clube da cidade. No lugar dele simplesmente comer e beber de graça, que era o nosso propósito, resolveu se aproximar das pessoas, fazer-se de íntimo. Viu um homem elegante parado, sozinho, aproximou-se e puxou conversa:
– Boa a festa, né, meio fraquinha, mas boa.
O homem fechou a cara e perguntou:
– Você é convidado do noivo ou da noiva?
– Da noiva, ele disse seguro e risonho, sou muito amigo da família, principalmente do pai.
– Sou eu, disse o homem, o que pagou essa festa fraquinha e eu não conheço você.
Não preciso dizer que saímos todos.