quarta-feira, maio 30, 2007

Histórias da Tanak's IV

Essa é realmente uma daquelas histórias engraçadas envolvendo a minha turma. Nesse episódio em especial terei de omitir os nomes, porque hoje são pessoas muito conhecidas na cidade e o fato poderia comprometê-los. Direi apenas que se trata de dois irmãos.
Eles moravam numa casa muito grande, com um quintal que lembrava uma chácara, portanto propício para festas e armações. Certa feita, como a casa era freqüentemente visatada por gambás, eles acabaram por matar um dos grandes e se viram com o problema de saber o que fazer com o bicho morto. Como eram da Tanak's, logo pensaram numa grande sacanagem.
Limparam o bicho, temperaram, rechearam com uma farofa gostosinha e assaram-no com batatas, ficou realmente muito bonito e apetitoso, excluindo-se o fato de que se tratava de um gambá. Eles colocaram o assado numa forma descartável de alumínio, enfeitaram com alfaces e com as batatas douradinhas, cobriram tudo com papel filme e doaram para o bingo da igreja como se fosse coelho. Foi um sucesso. Que os santos digam amém.

segunda-feira, maio 28, 2007

São Paulo Toujours

Estive nesse final de semana, 26/27 de maio, em São Paulo, a paulicéia desvairada de Mário de Andrade, a sampa, de Caetano, a terra da garoa, do folclore, a maravilhosa capital do baronato do café da belle-époque. Cada vez que passo por lá, sei que o mundo também passa por lá, o mundo está representado um pouquinho em cada pedaço daquele lugar. Quando eu morrer não contem aos meus inimigos quero ficar enterrado por lá. Todos nós (ou pelo menos os estudantes) deveríamos receber um bônus do governo para passear por São Paulo duas vezes por ano. Para maior parte de nós valerá anos de estudo. Na rua Lopes Chaves esqueçam as vossas cabeças.
Desta vez, eu passeei pelo mundo encantado de aromas imperdíveis do Mercado Municipal, que é uma viagem de sensações, um exercício sinestésico de prazeres intraduzíveis: comi sanduíche de mortadela e chupei mangustão, tomei chope escuro comendo um petisco de figo seco com queijo brie, comi cereja fresca enquanto o barraqueiro me explicava porque a cachaça Havana custava R$ 25.000 a garrafa.
Do mercado para a Pinacoteca, onde estão as fotobiografias dos reis franceses Luís XIV, XV e XVI, do acervo particular do Palais de Versailles. Da Pinacoteca para o museu interativo mais admirável que eu já vi na vida e o primeiro do molde no mundo, que é o Museu da Língua Portuguesa (fica em frente à Pinacoteca) e é, praticamente, um passeio só. Quem não viu, veja. Você sai de lá ciente de que sua pátria é sua língua e sabe que a última flor do Lácio não é mais tão inculta assim, mas mais do que nunca é bela e, se depois da visita tiver uma grande idéia, faça uma canção, porque só é possível filosofar em alemão.

segunda-feira, maio 21, 2007

O poeta que há em mim II

A dor inventada

Chega, se acalma e senta

e me responde o que a dor da tua alma venta

Quantas vezes eu não te soprei flores?

Quantas vezes eu não te falei borboletas?

Quantas vezes eu não te sorri frutas?

Quantas vezes eu não te futurei amoras

quando tudo que eu tinha

era apenas o aqui e o agora?

Chega, se acalma e senta

e aceita que a pior das dores de amor

é a que a alma da gente inventa.

Nailor Jr

terça-feira, maio 15, 2007

Hood Robin

Neste final de semana estive em Buenos Aires, meio a trabalho meio a passeio, e é muito legal saber como uma cidade pode funcionar bem na América Latina. Quem quer ir a Europa sem sair da América do Sul, precisa ir para lá. Mas o que me traz aqui foi uma coisa que ouvi de um taxista e que me deixou triste e feliz ao mesmo tempo.
Eu adoro conversar com taxistas, não há ninguém melhor para nos colocar em contato com a política do lugar em que estamos durante uma viagem. Conversei com Júlio, eles dizem Rúlio, enquanto ia da Av de Mayo, onde ficava meu hotel (o Castelar onde morou o poeta Federico Garcia Lorca antes de partir da guerra civil espanhola e morrer), para o Palermo Chico, enquanto isso colocávamos a nossa visão de política sulamericana em dia.
Foi então que ele me deu uma demonstração de muito conhecimento não só de seu país, como do nosso também. Falou da tristeza e da vergonha que era ter presidentes como o dele, Néstor Kirchner, e também do nosso e Evo Morales e Chávez, gente cada menos letrada e mais truculenta e estatizante. No meio do seu comentário ele me disse que lá na Argentina estes (des)presidentes são chamados de Hood Robin e riu muito. Logo me explicou quer era Robin Hood às avessas, isto é, tiram dos pobres e dão para os ricos, ainda que no palanque e na televisão digam o contrário.

terça-feira, maio 08, 2007

O poeta que há em mim I

Cara e Coroa

O amor não dá carona

Convida a voar

O amor não tem consciência

O amor tem consciência demais

O amor chora e nem é notado

Então ri quando se percebe só

O amor é nó sobre nó

Faz fuxico, manha

O amor de manhã vira pó

Bota o amante pra fora

Esquenta o leite e faz café

O amor vai ao supermercado

E só compra geléia de morango

O amor detesta chuchu

Mas come com gosto

No azul do primeiro encontro

O amor é doce e ponto

O amor nunca é uma oração subordinada

É coordenado

Aditivo e descoordenado

O amor não quer regras

É agramático, apolítico e aético

O amor rói as unhas

Fica dodói

Se mói de ciúmes

Vai à janela e enxerga o vazio

Espera doído um telefonema

O amor tem sempre um problema pra resolver

O amor canta errado no banheiro

E ri feliz

Porque sabe que a felicidade

Está sempre por um triz

O amor é de carne e osso

Mais osso

Mais tutano

O amor é ponto perdido

Entre Saturno e Urano

O amor está em constante pagamento

Mas o amor é pobre

Não tem lenço, nem documento

Só identidade de mentirinha

Carteirinha de clube

O amor vai ao circo

Vira palhaço

Brinca de mágico

Tira moeda da orelha

E flores do coração

O amor é brincalhão

Pede o que não pode

Dá o que não tem

O amor está sempre devendo o amor

O aluguel

E a última prestação da casa própria

O amor ia mudar de país

Mas descobriu

Que o amor não tem nação

Que ele é apenas

Uma criança levada

Que se esconde em qualquer coração.

Nailor Jr.

segunda-feira, maio 07, 2007

Filosofia de elevador I

O ponto de ônibus fica três quarteirões de casa. Desço a rua escura, calmo e muito devagar, contando os passos e observando a vizinhança.

Uma coisa me intriga: por que todos os vizinhos que não estão em casa deixam a luz da varanda acesa?

É uma pergunta tola. Talvez mereça uma resposta mais tola ainda.

A luz acesa indica que há gente em casa. Mas só as casas que não têm gente é que têm a luz acesa. É isto que me intriga.

Serão os ladrões tão burros a ponto de não saber essa regra simples?

Luz acesa ninguém; luz apagada, gente em casa.

Se eu sei, creio que todos, inclusive os ladrões também sabem. Mesmo assim desço a rua me perguntando.

Entro em casa, apago a luz da varanda, ligo a televisão e deixo de filosofar.

Lá fora a vida segue seu rumo normal.

terça-feira, maio 01, 2007

Histórias da Tanak's III

Uma vez eu estava em Balneário Camburiú, com a minha turma, a Tanak's, num bar no calçadão da avenida Atlântica, quando apareceram várias ciganas pedindo cinco dinheiros para que lessem as nossas mãos. Seria inimaginável pensar que um bando de quebrados adolescentes gastaria algum dinheiro do pouco que tinham com uma cigana, no lugar de tomar mais cerveja. Mas a mulher insistiu tanto que eu acabei tomando a frente e dizendo:
- Pode deixar que eu leio a sua mão.
Ela esperava por tudo, menos por aquilo e fez pouco da minha fala.
- Que lê a mão o que moleque! É preciso ser cigano e iniciado para isso! Exclamou alto para todos no bar.
- Dá a sua mão mão aqui que você vai ver se eu leio ou não! Retruquei forte e, no mesmo instante, agarrei a sua mão direita com bastante força. Fiquei segurando pelo punho e passando a mão sobre a palma como se estivesse lendo mesmo. E disse como muita firmeza, alto e olhando nos olhos dela:
- Você não é cigana! Você apenas se casou com um cigano.
A mulher, nesse momento, fez um gesto na tentativa de livrar-se de mim. Eu logo percebi que havia acertado na mosca. Esse tipo de gente sempre fala o óbvio e vai dando chutes e muda ou continua de acordo com as reações que percebe na vítima. Quando notei que havia acertado, eu me levantei e falei mais alto:
- Realmente... eu estou vendo... você não é cigana e além do mais não gosta da sua vida, porque tem que trabalhar muito e duro, enquanto seu marido pouco ou nada faz (é assim em qualquer acampamento de cigano).
Nisso todo o bar já prestava atenção em mim, na minha farsa, mas tinha gente já acreditando que eu lia mesmo, porque a mulher foi ficando cada vez mais nervosa.
- Eu vejo que você trabalha muito no acampamento(todo cigano errante fica em acampamento e, de mais a mais, ela tinha a mão bastante áspera, logo trabalhava muito no pesado). E todo o dinheiro que ganha nas ruas fingindo que lê mãos tem de entregar para o seu rom (marido na língua deles e ciganas não administram dinheiro, só homens, é sempre assim).
Nesse momento ela puxou a mão com força, deu um sorriso amarelo, e disse:
- Nada a ver. Tudo que você falou está errado! E foi saindo.
Nisso eu gritei:
- Errado ou certo, eu quero meus cinco dinheiros, eu trabalhei.
- Eu não vou pagar você não falou nada.
Eu insisti brincando, mas me fingindo de bravo:
- Vai pagar sim, eu li, quero receber, pague logo.
Neste momento todo mundo que estava prestando atenção à situação começou a gritar:
- Paga! Paga!Paga!Paga!Paga!
As ciganas todas saíram correndo e o povo gritando atrás, foi muito idiota, mas muito divertido. Isso fica aqui de lição para os otários de plantão que se deixam enganar com falicilidade.