quinta-feira, junho 28, 2007

Ana Maria contra Ana Maria

Estranhamente nunca mais ninguém ouviu falar de Ana Maria.
Ana Maria apareceu cedo no cenário local. Aos 14 anos já era líder estudantil de certo renome, assombrando as autoridades constituídas do Instituto de Educação com sua retórica refinada e sua convicção de propósitos. O ano era propício, 1969, AI-5, repressão, deportações, censura, bipartidarismo, motivos de sobra para uma militante da esquerda juvenil alcançar espaço e firmar-se como formadora de opinião.
Anos mais tarde, já na universidade, infiltrou-se com certa facilidade nos centros acadêmicos e logo cravou sua marca, já que seus companheiros, quase sempre, estavam mais preocupados com álcool e sexo. Sua bandeira era liberdade ampla. Estava, contudo, mais a favor da causa feminista, sua mais nova paixão. Pregava que a mulher deveria alcançar o seu espaço nesse mundo machista, onde os homens querem as mulheres submissas e coisificadas. Mulher livre, mulher livre, mulher livre, essa era agora a sua bandeira e seu mote.
Sua carreira de ideóloga do feminismo chegou ao apogeu do status do interior: editou dois livros, publicou matérias em jornais de grande circulação, fez palestras na capital, enfim, senão era a maior expressão nacional, era bem conhecida para receber muitos aplausos em chás beneficentes.
Nessas andanças ativistas conheceu Ernesto Heminguello, um estrangeiro, também feminista e que pela identidade de proposta seria o homem ideal para se casar. Casaram-se e foram o casal modelo para feminismo científico. Como era de se prever o casamento transcorreu científica e ideologicamente perfeito. Um verdadeiro exemplo para os seminários sobre o assunto.
Ernesto via as mulheres como donas dos próprios destinos e não aceitava que os homens as conduzissem como numa disputa frenética e animalesca para saber quem ficaria com a melhor parte da caça. Ernesto lhe confessou que se sentia mal com o eterno jogo velado de gato e rato entre homens e mulheres. Gostava dos que, como ele, haviam entendido o espaço feminino ou dos que assumiam publicamente jogo dos homens. Ele implicava com leiloeiros; apreciava mais os falsários. Sabia que as mulheres incautas pulariam das mesas do leilão masculino facilmente para as garras dos truculentos, por isso gostava dos que ludibriavam por achar que causariam menos mal. Via nesse caso o amor com um estelionato menos prejudicial, pois sabia que nem todas as mulheres estão preparadas para a verdadeira liberdade.
Ana Maria não tinha propriamente um casamento, mas um ensaio sobre o feminismo romanceado. Ernesto era impecavelmente fiel a seus princípios libertários.
Ana Maria, de surpresa, conheceu Roberval. Um homem enérgico, de pouca conversa, machista e autoritário. Mulher para ele era na cama e na cozinha. Toda mulher era um motivo de bílis.
No primeiro encontro, de súbito, agarrou Ana Maria e beijou-a a força. Ela ficou sem ação, não estava acostumada a ser tratada assim, mas, estranhamente, ficou encantada também. Ela protestou, mas era um beijo, um beijo de verdade. Roberval riu. Ela protestou e se sentiu beijada, pela primeira vez, verdadeiramente beijada.
Daí por diante, contrariando tudo, viu muito Roberval. Quando ele queria e era bom. Quando ele mandava e era humano. Quando ele a agarrava com força e vontade e era humano, demasiado humano.
Ana Maria amava Ernesto. Ana Maria seduziu-se pelo maravilhosamente grosseiro Roberval. Ana Maria queria Ernesto, Roberval.
Ana Maria armou.
Ernesto chegou em casa mais cedo e encontrou Ana Maria e Roberval em sua própria cama. Parou, observou em volta, cumprimentou os dois, beijou sua mulher na testa, vestiu o pijama e pediu a Roberval que fosse mais para o meio da cama, desculpou-se pelo incômodo e dormiu. Ernesto era convicto.
Estranhamente nunca mais ninguém ouviu falar de Ana Maria.

quarta-feira, junho 27, 2007

O poeta que há em mim VI

La lumière d’amour

soyez bienvenue
ma chère
soyez bienvenue
ma femme
mon coeur est tout ouvert
venez dedans
se vous-voulez
l’amour vous attendez
toujours
toujours
l’amour vous attendez
comme le vent
qui efface les nuages noires
comme un dieu
qui fait tout le temps
un fiat lux

Nailor Jr

segunda-feira, junho 25, 2007

Caos nos aeroportos e racismo

Eu! gritou desvairada a mulher. Sentar-me ao lado de um negro? Nem morta.
Uma mulher branca, de aproximadamente 50 anos, chegou ao seu lugar na classe econômica do vôo 8100, da American Airlines, com destino a Miami, e viu que estava com o assento marcado ao lado de um passageiro negro.
Visivelmente perturbada, chamou a comissária de bordo.
- Qual o problema, senhora? pergunta uma comissária.
- Não está vendo? respondeu a senhora.
- Vocês me colocaram ao lado de um negro. Não posso ficar aqui. Você precisa me dar outro assento.
- Por favor, acalme-se, disse a aeromoça. Infelizmente, todos os lugares estão ocupados. Porém, vou ver se ainda é possível fazer alguma troca.
A comissária se afasta e volta alguns minutos depois.
- Senhora, como eu disse, não há nenhum outro lugar livre na classe econômica. Falei com o comandante e temos apenas um lugar na primeira classe. E antes que a mulher fizesse algum comentário, a comissária continua. Veja, é incomum que a nossa companhia permita a um passageiro da classe econômica assentar-se na primeira classe. Porém, tendo em vista as circunstâncias, o comandante pensa que seria escandaloso obrigar um passageiro a viajar ao lado de uma pessoa desagradável.
E, dirigindo-se ao senhor negro, a comissária prosseguiu:
- Portanto, senhor, caso queira, por favor, pegue a sua bagagem de mão, pois reservamos para o senhor um lugar na primeira classe...
E todos os passageiros próximos, que, estupefatos, assistiam à cena, começaram a aplaudir, alguns de pé.

sexta-feira, junho 22, 2007

Educação e impunidade

Humilhação e impotência. Assim a professora Iramar Araújo Sachetini, 56 anos, resumiu, nesta quinta-feira, o que sentiu depois que um de seus alunos, de 14 anos de idade, colocou fogo em seus cabelos quando lecionava na sala de aula da Escola Estadual Darcy Pacheco, em São José do Rio Preto, a 440 km de São Paulo. Para ela, esse foi o pior momento nos seus 23 anos de magistério.
A Secretaria de Educação informou que o garoto não pode ser punido porque seu gesto "não foi grave" e que a direção da escola já tomou as providências previstas, ao se reunir com os pais do menino. De acordo com a secretaria, o procedimento é convocar os pais para conversar sobre o comportamento da criança em sala de aula.

Extraído do noticias.terra.com.br
O que é grave? Matar? O princípio da autoridade foi completamente quebrado no Brasil, isso não é novidade, mas o que mais dói e como as autoridades chancelam isso com a impunidade. Chamar um adolescente de 14 anos, piromaníaco, de criança, é o máximo do descalabro. Precisamos que os funcionários da secretarias de educação e dos conselhos tutelares de todos os níveis saiam um pouco de seus gabinetes e descubram como está o mundo real sobre o qual eles legislam e nada conhecem. Está na hora do Brasil entender (e parar de politicagem barata) que não existe menoridade para nenhum tipo de crime, o que existe no mundo civilizado (não nosso, obviamente) é: a pessoa entende o caráter criminoso do fato que praticou? é maior; não entende, é menor, independente da idade cronológica. Pessoas amadurecem em tempos diferentes e a idade cronológica pouco ou nada tem a ver com isso. Punição adequada já!

quinta-feira, junho 21, 2007

Chega Brasil

No mundo inteiro, pelo menos no civilizado, público quer dizer de todo mundo, menos no Brasil que significa de ninguém. Fico pensando em como os "homens públicos" brasileiros ficam indignados quando alguém resolve denunciar "podres" de suas vidas privadas. A maior parte deles quando é flagrada em situações de criminalidade ou simples imoralidade, imediatamente chora e se diz um perseguido político.
O mais interessante é que eles se esquecem que ninguém pediu para que ocupassem cargos públicos, ao contrário, eles é que se escalaram para tal com um rol de propostas de melhorias e boas intenções. Homens públicos não têm direito a vida privada, pelo menos não no que cruza com as suas atividades públicas.
Não é mais possível que o mesmo país que se vestiu de verde-amarelo para depor o presidente Collor porque recebeu um Fiat Elba de presente, continue a tolerar pacificamente a roubalheira a que o PT e seus comparsas submeteram o Brasil. Chega de Waldomiro Diniz, chega de sanguessugas, chega de bingueiros, chega de Zé Dirceu, chega navalhas, chega de Renan, chega empreiteiras donas das verbas do orçamento, chega de Vavá, chega de um país que arrecada 600 bilhões de reais por ano e investe em desenvolvimento apenas 15 bilhões, chega de um país que dá, a fundo perdido, mais de 100 milhões de reais para o MST invadir terras enquanto investe apenas 80 no Ministério de desenvolvimento, chega, chega, chega Brasil.
Entupam as caixas de mensagens dos parlamentares que vocês conhecem e exijam providências os políticos são nossos empregados e não nós deles, por isso nós mandamos e eles obedecem é assim que é, é assim que precisa ser feito. Chega Brasil.
O e-mail do seu deputado você encontra em http://www2.camara.gov.br
e do seu senador em http://www.senado.gov.br/sf/

quarta-feira, junho 20, 2007

O poeta que há em mim V

há uma mulher de metal
gritando desesperada em minha alma
há uma nuvem de luz
que me reduz a nada
em minha alma
há uma mulher que dança
dança
dança
e o que é noite
vira dia
o que é óbvio
magia
e esse amor desesperado
vira poesia

Nailor Jr

segunda-feira, junho 18, 2007

Filosofia de elevador II

Nunca pensei que pudesse me sentir tão bem num enterro.
O homem que morreu estava num quadro na parede da sala, perpetuado de morto-vivo. Desses que morrem, mas estão sempre presentes.
Ninguém velava o homem. Só uma televisão em altura moderada, por respeito, lhe fazia companhia.
O morto era a realidade viva e a televisão, a realidade virtualmente viva. Dois mortos passivamente se velavam.
Eu assisti a tudo, sem mudar de canal.

terça-feira, junho 05, 2007

O poeta que há em mim IV

Meu amor quando tântrico

Eu quero amar essa mulher tão longa e profundamente
Que de tanto ser amada, não possa distinguir entre coração e mente
Que todas as suas florestas escuras sejam incendiadas
Pelo sol das manhãs dos dias muito frios, em lugares muito quentes
Que de tanto ser amada, seus navios circum-naveguem
Os sete mares desconhecidos e atraquem em portos inseguros
Que o cítrico de sua fruta úmida de veludo
Seja um gole de água fresca em desertos inacessíveis
Que de tanto ser amada, as meninas sedentas de seus olhos
Urrem de prazer solitário como cadelas errantes

Eu quero amar essa mulher tão longa e profundamente
Que as horas que passarmos juntos
Não possam ser medidas por um relógio comum
Que o mel espumante de nossos beijos molhados
Seja o alimento necessário, seja o pão da vida
Que as nuvens cinzas que insistem em cobrir de tédio os dias de sol
Sejam dissipadas por um simples passeio de mãos dadas
E que a delicadeza de um olhar macio e prolongado
Seja o catalisador da primavera nas flores
E o maestro que rege o canto dos pássaros vadios

Eu quero amar essa mulher tão longa e profundamente
Que o ato de amar seja uma razão em si mesmo
Que as almas perdidas das pessoas sem amor sejam aliviadas desse fardo
Que o riso fácil das crianças inocentes pareçam estúpidos
Diante do espetáculo de vida que a fusão absoluta de carnes propicia
Diante do poder de luz que almas que se entregam irradiam
Diante do vigor inesgotável dos corpos dos amantes
Diante, enfim, do sentido inquestionável que a vida adquire
Para os que se amam, se entregam, se permitem
E morrem de vida, ao viver desse amor


Nailor Marques Jr.

segunda-feira, junho 04, 2007

A ignorância é indigesta I

§ 1


Oswald de Andrade escreveu um poema sobre gente que fala aquilo que imagina ser e não aquilo que realmente é. No poema O gramático, dois negros discutem sobre o espantar de um cavalo perto deles:

os negros discutiam
que o cavalo sipantou
mas o que mais sabia
disse que era sipantarrou


Eu vivi isso na pele, como disse uma vez Bocage, às vezes a emenda ficar pior do que o soneto. No condomínio em que moro dois funcionários discutiam sobre problemas no estômago:
– Eu não güento mais de inzia, meu estami tá queimando demais.
– Larga de ser ingnorante, ô jacu, não é estami, é estâmbago.

§ 2

Minha irmã, Suzana, foi parada na rua por uma senhora que precisava de ajuda.
– Por favor, a senhora sabe me dizer onde fica a Rua da Biária?
– Rua da Biária?... Rua da Biária?... Perguntava-se minha irmã, querendo ajudar.
– É Rua da Biária?
– Fica aqui pelo centro? Eu moro aqui há bastante tempo e não conheço essa rua.
– Não rua, moça. Ruadabiária, onde a gente pega o ômbidus.

sexta-feira, junho 01, 2007

O poeta que há em mim III

aquela mulher
não fez amá-la
me fez só amá-la
e amar uma só mulher
é criar raízes
fazer sombra
dar frutos
e na primavera
florescer em silêncio