Cazuza X Cazuza
Concordo que suas letras são muito tocantes, mas reverenciar um marginal como ele, é, no mínimo, inadmissível. Marginal, sim, pois Cazuza foi uma pessoa que viveu à margem da sociedade, pelo menos uma sociedade que tentamos construir (ao menos eu) com conceitos de certo e errado.
No filme, vi um rapaz mimado, filhinho de papai que nunca precisou trabalhar para conseguir nada, já tinha tudo nas mãos. A mãe vivia para satisfazer as suas vontades e loucuras. O pai preferiu se afastar das suas responsabilidades e deixou a vida correr solta.
São esses pais que devemos ter como exemplo? Cazuza só começou a gravar, pois o pai era diretor de uma grande gravadora. Existem vários talentos que não são revelados por falta de oportunidade ou por não terem algum conhecido importante.
Cazuza era um traficante, como sua mãe revela no livro, admitiu que ele trouxe drogas da Inglaterra, um verdadeiro criminoso.
Concordo com o juiz Siro Darlan quando ele diz que a única diferença entre Cazuza e Fernandinho Beira-Mar é que um nasceu na zona sul e outro não. Fiquei horrorizada com o culto que fizeram a esse rapaz, principalmente por minha filha adolescente ter visto o filme. Precisei conversar muito para que ela não começasse a pensar que usar drogas, participar de bacanais, beber até cair e outras coisas fossem certas, já que foi isso que o filme mostrou.
Por que não são feitos filmes de pessoas realmente importantes que tenham algo de bom para essa juventude já tão transviada? Será que ser correto não dá Ibope, não rende bilheteria?
Como ensina o comercial da Fiat, precisamos rever nossos conceitos, só assim teremos um mundo melhor.Devo lembrar aos pais que a morte de Cazuza foi consequência da educação errônea a que foi submetido.Será que Cazuza teria morrido do mesmo jeito se tivesse tido pais que dissesem NÃO quando necessário? Lembrem-se, dizer NÃO é a prova mais difícil de amor.Não deixem seus filhos à revelia para que não precisem se arrepender mais tarde. A principal função dos pais é educar. Não se preocupem em ser amigo de seus filhos. Eduque-os e mais tarde eles verão que você foi a pessoa que mais os amou e foi, é, e sempre será, o seu melhor amigo, pois amigo não diz SIM sempre
Nailor Marques Jr.
O filme sobre a vida de Cazuza, em cartaz em quase todos os cinemas do Brasil, fez um recorte interessante da vida de um bom músico e maravilhoso poeta beat, infelizmente quase desconhecido dos adolescentes de hoje. Tive esperanças que, com a narrativa, nossos meninos pudessem entrar em contato com o melhor lado de um espírito sensível, morando numa cabeça agressiva, com um jovem que bebeu muito uísque, mas que também vomitou muita poesia. Parece-me que, no entanto, mais uma vez, a nossa juventude tirou do que viu a lição errada, sem se dar conta que acendia com isso “a luz negra de um destino cruel.”
Conversando com meus alunos, incentivando-os para que vissem o filme, ouvindo dos que já tinham visto suas impressões, de novo fiquei estarrecido (não canso de me decepcionar com o que ouço e vejo deles), no lugar de aprenderem que os heróis do cantor “morreram de overdose” e de que é preciso uma ideologia para viver, eles só tiveram olhos para vida desregrada, para o excesso de sexo, bebida e todo tipo de drogas. Esqueceram-se de observar que, magnificamente, Cazuza aparece lendo o tempo todo e que ele não se transformou no grande poeta polêmico que foi, porque era drogado e sem regras, mas porque lia e estudava muito e, com a enorme bagagem que acumulou, formou um espírito inquieto. Se somarmos a isso, o engenho e arte que lhes eram natos, teremos então um grande artista, exatamente o que ele foi.
É precisar destacar que ficou muito claro no filme que ele deixou o grupo Barão Vermelho, não porque desgostasse dos amigos ou tivesse rompido com alguém (tanto que permaneceu parceiro de Frejat até morrer), mas porque queria uma arte livre como a sua cabeça. Não queria cantar apenas rock’n’roll, mas poder cantar todas as boas músicas que cruzassem o seu caminho. Reparem que a partir do início da carreira solo surgiram as peculiares e doces gravações de mestres da MPB do passado. Foi daí que ele percebeu “que o mundo é um moinho” e que se não atentarmos para isso seremos engolidos pelo “abismo que cavamos com os nossos próprios pés”. Cazuza foi engolido por si mesmo, pagou um preço alto pela vida que teve, mas morreu dando exemplo de que devemos assumir, como gente grande, o que fazemos, de que sabia que estava pagando o preço da vida que havia comprado. Nossos jovens são valentes e independentes até a primeira encrenca que se metem, quando voltam quietos e medrosos para casa, em busca da proteção dos pais que até minutos antes eram velhos e caretas.
A verdadeira lição, a que eu esperava que os jovens (meus alunos, sobretudo) tirassem, era a de que Cazuza era um eterno estudante da vida que queria levar. Ele não queria ser melhor, nem pior do que ninguém, apenas ter o direito de ser ele mesmo (e não a reprodução de estereótipos baratos, os sub-produtos de rock, que a televisão vende às pessoas todos os dias e que elas copiam pensando estar sendo originais). Ele sabia apenas que era “um cara” que, às vezes, cansava de “correr na direção contrária, sem podium de chegada ou beijo de namorada”, mas que quem achasse que por isso ele estaria derrotado, deveria se lembrar que os dados (de Mallarmé) ainda estavam rodando, já que “o tempo não pára”. Sua cabeça era habitada pelas idéias de grandes escritores, ela foi forjada a muita martelada e fogo. Quando não estava negociando escravas brancas com o poeta maldito francês Rimbaud, estava pagando michê, on the road, com o beat americano Allen Ginsberg.
Na conversa com meus alunos, eles me perguntaram se não seria melhor viver mesmo de forma exagerada, ou seria “tudo ou nunca mais”. Eu disse que não sabia, mas que ficar vivo, viver de forma interessante, já era uma aventura bastante grande, um exercício para poucos. Que no lugar de buscarem para si a decisão terrível de viver dez anos a mil ou mil anos a dez, talvez devessem aprender com Aristóteles que “a virtude está no meio”, e, no lugar de escolher o Céu ou o Inferno, poderiam escolher a Terra. Nem dez a mil, nem mil a dez, que tal cem anos a cem? Quem sabe ainda a 110, para não sermos multados? A vida não está nos pólos, que anda pelas beiradas anda perigosamente mal: por excesso ou por falta.
Cazuza, parece-me, que quis ensinar (sem ser didático, essa não nunca foi a sua praia) que todos temos o dever de buscar “todo o amor que houver nessa vida”, um “veneno antimonotonia”, uma espécie de antídoto às mesmices do nosso cotidiano, o trabalho de, diariamente, “transformar o tédio em melodia”. Cada um de nós tem seus próprios problemas, mas os homens precisam ser maiores do que os acontecimentos que os cercam e que os afligem. Nossa juventude está cada dia mais covarde, mais voltada para o próprio umbigo, clamam por liberdade só para não fazer o que devem. Ser livre para ela quer dizer livrar-se das tarefas doloridas e incômodas da vida, no entanto não há aprendizado sem sofrimento, essa foi a grande lição da vida e do filme. Ninguém pode querer sorrir o tempo todo, nem “cuidar de bichinhos de estimação e plantas” antes da hora. A morte dele deveria ter nos ensinado que ninguém pode causar mal nenhum, a não ser a si mesmo. O maior mal que podemos causar a nós mesmos é trespassar a nossa própria garganta com a flecha preta da estupidez e do comodismo, mas parece que, como sempre, preferimos continuar “correndo atrás de um carro com um cachorro otário”, buscando o jeito mais fácil de levar a vida, aprendendo perpetuamente as lições erradas.